Quem
passa na Prainha, à rua Antônio Ataíde verá entre o cruzamento das ruas Jorge de
Menezes e Vinte e Três de Maio, à esquerda, um imóvel surrado, que tem em seu
frontispício o dístico “Mercado S. Valadares”.
Garanto
que muitos acharão que trata-se do Mercado Municipal São Valadares! Mas não, é o
Mercado Municipal Silvino Valadares. O homenageado era casado com Maria
Valadares, baluarte das tradições da Prainha e em especial da Igreja do Rosário
e do Dispensário São Judas Tadeu. A liderança de Silvino era tal que chegou a
ser vereador. Era pai de Soemir, Silma, Simaura, Soly e Alberto. Tinha a famosa
padaria “Central” na Prainha, para a qual Augusto “Italiano” era um fornecedor
de lenha.
Pois
bem, por Lei Municipal o Mercado da Prainha procura homenagear muito bem uma
liderança local que cheguei a conhecer no final de sua vida.
Esse
mercado fora inaugurado na gestão do Interventor Municipal, o Macieira, quando
entre 1947 e 1948 restabelecia-se a autonomia de Vila Velha pela 2ª vez, no
século vinte, deixando de ser distrito de Vitória.
Nesta
época, com uma planta padrão, a Prefeitura da capital construiu o Mercado São
Sebastião, ainda existente em Jucutuquara, e o de Vila Velha, ambos iguaizinhos
praticamente em tudo.
O
imóvel tinha um belíssimo estilo mourisco e fachada muito bem adornada com
resistente portão de ferro batido.
Lá
dentro conheci a partir de 25 de maio de 1960, quando para aqui mudei aos sete
anos completos. À Direita, havia as bancas dos permissionários: Seu Arcanjo, Seu
Getúlio, Seu João e outra da qual não me lembro o nome (uma senhora que parece
aparentada da família Borges da Prainha). Ao meio vinha o famoso açougue de
Santos com a bonita balança de dois pratos. Nos fundos, num beco, havia um
quartinho unissex e um pequeno escritório do Seu José, o fiscal, muito
respeitado.
O
mercado era uma festa. Toda manhã bem cedinho, Arcanjo, Getúlio e João traziam
em geral do mercado da Vila Rubim, verduras, legumes e frutas que ali revendiam.
Todas as donas de casas da Prainha e arredores iam pela manhã se abastecer. Era
um falatório animado. Na entrada, perto da banca de Seu Arcanjo, sempre
encontrava por ali o famoso Pingüim, o Cachorro do Mato, Osmar Garoupa e seu
irmão Osvaldo, ao que parece, em animado papo. Dona Augusta e outras senhoras
sempre participavam de animadas discussões e apostas.
O
piso do mercado era de ladrilho hidráulico e as paredes azulejadas de branco a
meia altura. O pátio central descoberto era calçado de paralelepípedos. Só
faltava o chafariz no centro para o mercado ficar mesmo mourisco. O mercado
ficou mais ainda animado quando entrou a SAPS. Esse era o Serviço de
Abastecimento da Previdência Social, que foi antecessor da COBAL. Pois bem, o
governo vendia secos e molhados para o povo, a preços mais condizentes. O SAPS
da Prainha saíra de um ponto alugado onde surgiu o Olímpico Esporte Clube, hoje
a obra da Universidade Aberta. Havia um posto do SAPS no Centro, perto do Bardo
Salvador e outro em Paul.
O
SAPS da Prainha era gerenciado por Rochinha, recentemente falecido (curioso é
que na Prainha havia o cariaciquense Seu Rochinha, ex-garçom do Cassino dos
Oficiais do Batalhão). O caixa do SAPS era Dona Ondina, moradora da Toca e havia
ainda os balconistas Seu Altair, Lourdes Caldeira e outros dois que não guardei
o nome. Seu Domício, Gessé, Miguelzinho e Antero sempre estavam ali.
As
filas no SAPS foram memoráveis. Chegaram a vender partidas de carne salgada de
baleia vinda da Armação de Caravelas (Bahia). Nas crises de abastecimento de
açúcar cristal, arroz e feijão dos anos 60, as filas eram enormes.
O
Mercado era a alma da cidade, onde tudo se sabia, tratava-se e combinavam-se as
coisas. Eu mesmo já maiorzinho, perguntava-me até quando aquilo ia continuar,
pois passavam-se os anos e conhecia a maioria dos freqüentadores. Até o lendário
Padre José de Lindwin conheci ali, já com batina surrada e faces encovadas,
idoso, claro. Ele era um líder popular do pessoal do Mercado. Ademir Mal Criado
era outro que ia muito ao mercado, assim como Átila, Gether, Augusto Italiano e
outros.
Infelizmente,
os quadros não se renovaram, o pequeno comércio foi ficando inviável, outros
açougues foram abertos na cidade, assim como mercearias maiores. O SAPS saiu
dali e virou COBAL lá na Glória. O primeiro supermercado foi o Suprebem, depois
o Santa Martha em frente ao Banco do Brasil na Av. Jerônimo Monteiro, que no
final dos anos 60 abalou o pequeno comércio.
Antes,
na administração de Tuffy Nader, chegaram a a construir o Mercado da Glória, que
depois virou o Colégio Ferreira Coelho. Em Paul, Américo no primeiro mandato,
entre 1962 e 1966, construiu um mercadinho logo depois do viaduto.
No
Mercado da Prainha só ficou praticamente Arcanjo, mesmo depois do fim do açougue
do Santos. Não podemos esquecer do Seu China, o tintureiro Chi-Fooh e seu
compadre, o famoso Seu Queiroz, o Comissário aposentado, que estavam sempre por
lá, contando suas hilariantes histórias. Todo esse passado inesquecível, espero
um dia voltar, e olha que eu era apenas um garoto que passava entre esse pessoal
e observava como eram entrosados. Na fase final, minha mãe me mandava quase
diariamente ao mercado para ver se Seu Arcanjo havia chegado, pois sua banca era
a mais sortida e para agradar sempre comprava alguma coisa nas outras bancas.
Depois, na velhice, ia sozinha, diariamente lá, fazer compras toda manhã e
sempre ficava atualizada das novidades que alguma amiga lhe contava.
A
política de transformar o mercado em imóvel destinado para a área de educação
ali se repetiu. A PMVV desapropriou a casa da esquina para colocar o posto de
saúde da Prainha, e no quintal fez um barracão para funcionar a banca de Seu
Arcanjo. No resto do quintal, construiu o mercado que está lá até hoje,
aproveitando apenas o portão de ferro e dois olhais de ventilação. Onde era o
mercado original, bateram uma laje e embaixo passou a funcionar a FUNEVE,
Fundação do Ensino Médio de Vila Velha. Por cima dessa parte ampliaram,
estranhamente, o salão de festas do Clube Olímpico.
Arcanjo,
voltando para o novo mercado, ali continuou até aposentar-se, tendo ao lado um
açougue e de outro permissionário.
No
segundo mandato de Américo, nos idos de 1977 em diante é que houve a fase do
barracão acima citado, quando funcionou convênio com a CEASA e o sucesso foi
enorme. Os supermercados ainda não comercializavam verduras.
Por
todas essas histórias, o mercado da cidade merece revitalização para voltar aos
bons tempos.
A
Prefeitura de Vitória restaurou, mais uma vez, o Mercado São Sebastião e tem
todas as plantas, ficando aí a sugestão, pois numa época que fala-se tanto de
turismo, de empreendedorismo, por que não dar à Vila Velha uma sobrevida à sua
alma?
Fonte:
Roberto Brochado Abreu. Membro da Casa da Memória de Vila Velha.
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