Contei em outra crônica o duro e teimoso
heroísmo, com que o caboclo Bernardo conseguiu levar a salvação aos náufragos do
cruzador Imperial Marinheiro, junto à barra do rio Doce, em 7 de setembro de
1887. O livro escrito a respeito pelo Sr. Norbertino Bahiense, do Instituto
Histórico e Geográfico do Espírito Santo, vem, com uma grande cópia de
documentação, fazer justiça a esse herói esquecido de minha terra.
Nem a Marinha, nem o Governo Imperial foram
insensíveis, na época, ao valor do seu feito. O caboclo Bernardo foi trazido ao
Rio e aqui recebeu, juntamente com o mestre João Roque da Silva e o cabo Manuel
Ferreira da Silva, os dois homens da tripulação que mais energia e coragem
mostraram em salvar os outros, a Medalha Humanitária de 1ª Classe. O caboclo
Bernardo foi levado ao Paço Imperial pelo capitão-tenente Artur Índio do Brasil
(que, ambos, chegaram ao almirantado), e chamado pelo conde d’Eu recebeu das
mãos da princesa imperial o prêmio de seu heroísmo.
Contou-me um velho habitante do rio Doce que na
Corte perguntaram ao caboclo o que ele queria mais para si. O caboclo Bernardo
disse que para si não queria nada, mas pediu a nomeação de seu velho pai, o
caboclo Manduca, para o posto vago de prático da barra do rio Doce; e depois de
todas as honras que recebeu no Rio e em Vitória, voltou para o remo da catraia
onde ajudava o seu velho. Rejeitou um bom posto na Capitania dos Portos, em
Vitória, pois não queria sair de Regência.
Alguém o viu ali aos 47 anos de idade “descalço,
andrajoso e esquecido”. A bela medalha de ouro mandada cunhar especialmente para
celebrar seu feito, ele, com toda certeza, a vendeu.
Não creio – nem o velho Meireles, que o conheceu
bem – que o caboclo Bernardo fosse infeliz por andar “descalço, andrajoso, e
esquecido”. Era casado, e vivia a sua vida, “muito respeitado aqui, pois era um
sujeito mesmo muito bom e muito direito”.
Aos 55 anos de idade foi assassinado a tiros de
garrucha por um outro caboclo chamado Lionel, que estava cheio de cachaça.
Lionel, que cumpriu pena até 1920, quando foi indultado, e só morreu em 1946,
nunca explicou seu crime, de que dizia estar muito arrependido, senão pela
cachaça...
E o caboclo Bernardo ficou quase completamente
esquecido durante muitos anos. Só agora sua memória começa a ser lembrada; seu
nome foi dado a uma pequena rua de Vitória (a Associação Comercial, com uma tola
e impressionante mesquinhez, opôs-se à proposta do Rotary Clube para que esse
nome ficasse no lugar do inexpressivo Rua do Comércio) e a uma rua central de
Linhares.
Por que não dar o nome de caboclo Bernardo à
próspera Povoação, que não tem outro nome, e é tão vizinha de Regência?
Esperamos que um dia também se volte a lembrar dele a Marinha de Guerra, que na
sua rude figura encontrará um bom símbolo para o pescador, o embarcadiço, o
caboclo de praia que, na hora má, é o amigo certo, o irmão do marinheiro.
Fevereiro, 1949.
Fonte: Crônicas do Espírito Santo, 1984Autor: Rubem BragaCompilação: Walter de Aguiar Filho, janeiro/2012Obs.: Este livro foi doado à Casa da Memória de Vila Velha em abril de 1985 por Jonas Reis
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