São Mateus é uma cidade positivamente bonita –
uma parte na beira rio, outra no alto da colina, muitas palmeiras reais, alguns
casarões antigos. . . Eu disse que a igreja é feita com pedras baianas, vindas
como lastro, e ligadas com óleo de baleia; na verdade até as ruas da cidade são
calçadas com lajes da Bahia, a a Bahia é influente ainda em muita coisa nestes
lugares: no vatapá magistral de dona Vitória Rios e na famosa muqueca de judeu,
orgulho da cozinha local. Não pensem, por favor, que os cristãos aqui sejam
antropófagos. Um tanto irritado, eu quis ver um desses judeus com que se faz
muqueca; mostraram-me o peixinho, é a minha velha conhecida cumbaca. A festa
notável de Conceição da Barra é uma velha festa baiana, o alardo
(acho que não existe mais na Bahia) que o bom Manduca Evêncio, de 83
anos e linguagem não apenas fluente como estranhamente correta, ressuscitou há
poucos anos animado pelo folclorista Guilherme Santos Neves, com mouros e
cristãos em densa pancadaria que é um autêntico milagre de violência e de
fair-play, tudo isso no dia de São Sebastião; também da Bahia
parece ter vindo do ticumbi, dançando e representado só por
negros, no dia de São Benedito.
Agora, eu já escrevi, o que vem da Bahia é gente
baiana, e vem muita; a população dos territórios disputados por Minas e Espírito
Santo é quase toda baiana. Com a construção de novas estradas e pontes,
principalmente a BR-5, que é a Rio-Bahia pelo litoral, e a Br-73, que de Nova
Venécia se dirige a Teófilo Otoni, não apenas esta zona como as de Bahia e Minas
mais próximas ficarão ainda mais fortemente presas a Vitória e seu porto. A
importância desse porto dentro de alguns anos será tremenda, bastando pensar na
instalação ali de uma grande usina siderúrgica (o contrato com uma firma alemã
já foi assinado) em torno da qual nascerão forçosamente numerosas indústrias, e
a construção da chamada Estrada do Paralelo 20, de Vitória a Belo Horizonte, que
atrairá para águas capixabas a produção de uma extensa zona mineira que hoje
procura a Guanabara.
A mesma estrada ligará diretamente a Vitória, sem
necessidade do entreposto de Cachoeiro de Itapemirim, uma grande parte da rica
zona montanhosa do sul do Estado. Mas Vitória não bastará. Dentro de dois anos
Cachoeiro de Itapemirim estará produzindo mais de 15 mil sacas de cimento por
dia. Os estudos feitos na Barra do Itapemirim, indicam a possibilidade de fazer
ali um bom porto, enrocando a parte sul, entre as pedras em que está a igreja e
a ilha de Itapotera. Uma estrada asfaltada ligando Cachoeiro à Barra permitirá o
escoamento econômico dessa produção.
Com um mínimo de ajuda das autoridades federais o
Espírito Santo pode ser em curto prazo um fator ponderável na recuperação da
economia nacional, e as jazidas de bauxita em Muqui e de manganês em Guaçui
poderão ser aproveitadas.
As ilhas flutuantes de água-pé, que têm aqui o
lindo nome de “baronesa” sobem lentamente o belo rio São Mateus; a maré está
enchendo. Descerão depois – “o serviço delas é esse, ir para baixo e para cima”,
comenta o chofer, com certo desprezo. Isso dá paz e preguiça e uma estranha
dignidade à paisagem de São Mateus. Mas alguns quilômetros além, Nona Venécia,
que já se erige em município, cresce com violência, a aqui mesmo na cidade a
estrutura da ponte que avança está dizendo que vão aumentar o estrondo e a
poeira dos caminhões, o tumulto e a pressa da vida.
Fonte: Crônicas do Espírito Santo. 1984Autor:
Rubem BragaCompilação: Walter de Aguiar Filho,
dezembro/2011Obs.: Este livro foi doado à Casa da Memória
de Vila Velha em abril de 1985 por Jonas Reis
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