São lindos esses rios capixabas, e a sabedoria é
fazer como eu e meu povo de Cachoeiro de Itapemerim ou como essa gente da
pequena e linda cidade de Cachoeiro de Santa Leopoldina: nascer e viver a
infância no trecho em que o rio tem sua última cachoeira ou corredeira e começa
a descer para o mar já sem saltos nem espumas, calmo e liso espelhando árvores e
nuvens. Assim a gente vive os dois rios, o da montanha e o da planície, o menino
é proprietário de pedras, ilhas e correntezas entre morros e também remanso doce
entre pastos meigos.
Aqui também a cidade nasceu porque era último
ponto onde chegavam as canoas dos povoadores que vinham do mar. Aqui também a
navegação não existe mais; no velho Porto de Cachoeiro só chegam as embarcações
da história e da lenda. Ali em baixo, na barra do Mangaraí, onde hoje é a
fazenda do suíço Hegler, chegou em canoa Pedro II, em 1860, subiu em carro de
bois até Tirol, veio a cavalo até Cachoeiro, foi até a Suíça, onde hoje há uma
linda igrejinha católica parecida com igreja protestante, subiu até Jequetibá,
Luxemburgo, entre curvaturas dos colonos. Muitos deles eram austríacos dos
batalhões estrangeiros que Pedro I fora obrigado a dissolver em 1831, e que a
imperatriz Leopoldina, da casa dos Habsburgos, naturalmente protegeu.
Aqui, onde é o fórum, morou em 1890 um rapaz
chamado Graça Aranha que era juiz municipal e fez um romance chamado
Chanaan em que contou histórias verdadeiras, como a da pobre
Maria cujo filho os porcos comeram (o processo ainda está no cartório local).
Graça Aranha esteve em triste visita a esta bela sala da família Holzmeister em
que passo quase uma hora conversando com o inteligente e bom Luiz Holzmeister,
irmão daquele pequenino Fritz que morreu esmagado por um barril de vinho. A bela
mulher de traços delicados de que o romancista fala ali está na fotografia
antiga, na parede do escritório, comovente em sua beleza. Aqui nesse mesmo ano
de 1890 nasceu um primo de Luiz e Fritz, o menino Clemens, que aos cinco anos
foi levado para a Europa e é hoje um arquiteto de fama internacional, autor do
monumento a Dollfuss, do plano urbanístico e de todos os edifícios públicos da
nova capital da Turquia, inclusive o palácio de Kemal Ataturk, da cidade dos
festivais e da “casa do dr. Fausto” em Salzburgo, de muitas igrejas da Áustria e
muitos teatros da Suécia e também da catedral de Belo Horizonte em construção, e
da catedral do Rio, em projeto.
E lá fora a cidade é bela, entre duas pontes, com
suas casas cobertas de telhas, de tabuinhas, de zinco ou de asbesto, com suas
árvores floridas e suas lavadeiras, e a lembrança das tropas de mulas que
desciam da montanha com as bruacas de couro carregadas de coisas da lavoura para
encher o bojo escuro das canoas compridas.
www.morrodomoreno.com.br
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