Iconha – como isso era longe, na minha infância.
Lembro-me de um menino que me espantou porque viera de uma fazenda “pra lá de
Frade, para além do Rio Novo, em Iconha, perto de Piúma...”
Eu pensava ir a Iconha tão vagamente como hoje
penso em ir ao Tibete. E agora, depois de uma rápida voada em automóvel,
descubro que estou em Iconha.
Não é muita coisa: quase apenas uma rua, uma casa
bonita, dessas que se faziam no fim do século, sólidas, sóbrias e dignas, sem
entretanto o ar comercial e horrendo dessas casas “modernistas” de platibandas
retangulares que hoje infestam Cachoeiro e todo o interior do Brasil.
Mas Iconha me encanta pelo seu milagre pastoril.
A pracinha é dominada por um morro alto, muito verde, cortado diante de nós por
um talude de terra vermelha. E lá em cima pastam dez a doze bois brancos. Eles
dominam assim o centro da cidade; no fim da rua há outro morro alto povoado por
outros bois brancos. Atrás deles o céu muito azul, com algumas nuvens redondas.
De repente, na curva do morro, contra o céu, passa de crinas ao vento um cavalo
preto, de um preto intensamente luminoso nesta tarde já chovida que o sol veio
de despedir. Pode ser um cavalo pequeno e magro; mas assim, no alto, entre esses
sossegados bois brancos, é uma aparição de sonho.
Chegam homens da roça, os botequins de cachaça se
animam. O sol se esconde, Iconha vai jantar.
Quando passamos de volta, ela está adormecida sob
as estrelas, abençoada pelos seus bois brancos.
Abril, 1951
Fonte: Crônicas do Espírito Santo, 1984
Fonte da Foto: Site Iconha online, fev/2012
Autor: Rubem Braga
Compilação: Walter de Aguiar Filho, fevereiro/2012
Obs.: Este livro foi doado à Casa da Memória de Vila Velha em abril de 1985 por Jonas Reis
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