Chrisógono Teixeira da Cruz
nasceu no coração de Vitória,na rua Barão de Monjardim, num tempo em que a Praia
do Canto era um lugar tão distante do centro quanto Guarapari. Hoje, 70 anos
depois, ele se recorda, com nostalgia, da época em que passava férias de verão
numa casinha que seu pai alugava na Praia. Há 40 anos, Chrisógono trocou o
Centro pela Praia do Canto, buscando a tranqüilidade e a qualidade de vida que o
centro não tinha mais. Hoje, ele, que foi prefeito de Vitória na década de 70,
está preocupado com o futuro do bairro que escolheu para morar. Nessa
entrevista, ele fala sobre os caminhos que a Praia do Canto está trilhando.
Como o senhor vê o desenvolvimento da
Praia do Canto?
A Praia do Canto foi criada para ser dormitório
dos ricos que trabalhavam no centro. Depois, com o advento do transporte
individual (começou-se a ter automóveis, tudo ficou muito perto), era melhor
morar na Praia do que no centro. Antes dos automóveis, chegar à Praia era uma
viagem. De bonde, então, era uma luta.
Ah, demorava uma hora por aí...Se uma pessoa
saísse do centro às 7 horas, chegava na Praia lá pelas 8. Parava muito, o bonde
saía do trilho, saltava todo mundo e era um tal de empurra o bonde, bota o bonde
no trilho. Era um negócio...Era uma África para chegar. Então, ninguém queria
morar na Praia. Tanto que o governo, praticamente, dava os lotes na década de
30. Bastava comprar um selo para requerer na secretaria da Agricultura.
Pagava-se muito pouco pelo lote e tinha-se a obrigação de construir uma casa num
determinado tempo.
Como foi o início do bairro?
As primeiras casas foram construídas à beira da
praia, depois foi ampliando mais. Eu me lembro que nós morávamos no centro e meu
pai alugava uma casa na Praia para minha mãe vir passar o verão com a gente. A
casinha ainda estava lá...Antes de 1964, o gabarito da Praia do Canto era de no
máximo, 3 andares e sem elevadores. E daí foram nascendo uma série de decretos,
emendas, até o surgimento do PDU, há 15 anos, mais ou menos. Os prédios da
Praia, nessa época, eram todos residenciais. Depois, deixaram a Praia do Canto
ser invadida por prédios comerciais.
Não, a Enseada não. Ela é residencial. Comercial
só os lotes próximos ao Palácio do Café que permitem prédios altos, o resto é
tudo residencial...É, mas isso já foi rompido, já começou um tumultozinho. Estão
fazendo restaurantes, clínicas em alguns pedaços.
Hoje qual é o bairro mais residencial de
Vitória?
Não tem. Camburi, que foi inicialmente só
residencial, já começou a ser invadida. Jardim Camburi foi controlado com o
gabarito de 3 andares, mas já romperam isso.Não houve pressão urbana contra. Não
que eu seja contra prédios altos, o problema é o uso do solo. O que me incomoda
é ter tudo misturado.
E na Praia do Canto?
O que perturba é o crescimento de prédios
comerciais muito além do que deveria ser projetado. A quantidade de lojas
deveria ser restrita ao uso da população que mora ali, como nos EUA. Foram
deixando construir edifícios comerciais, atraindo gente de todos os lugares, com
um grande movimento de pessoas de outros bairros, automóveis. Hoje virou um
horror. Sexta à noite é um inferno, aquelas batucadas nos botequins.
Isso influenciou o crescimento da
violência?
Aí cresce tudo, quando você tem tumulto de gente
que você não conhece. E onde há pessoas desconhecidas o bandido atua com maior
facilidade. Basta andar ali no Triângulo das Bermudas para ver a quantidade de
automóveis de outros municípios.
Então, o bairro residencial deve ser mais
ou menos como uma cidade do interior?
Exato. Defendo a cidadezinha do interior porque
se conhece todo mundo. Se aparece alguém estranho, todo mundo fica de olho, o
cara não consegue nem ir ao banheiro público que tem sempre alguém olhando para
ele.
O senhor vê alguma forma de melhorar
isso?
Não, não vejo mais. Pode até tentar estancar um
pouco isso para o bairro não ficar abandonado. Porque, se não, o que acontece?
Todo esse patrimônio que você tem aqui, particular e público, passa a não valer
nada. É o caso do centro da cidade. Lá você compra um imóvel por 1/3, ou menos,
de um imóvel da Praia. E todo aquele patrimônio que o governo implantou
(pavimentação, luz, telefone, água) com dinheiro da gente, dos impostos, é
praticamente abandonado. Vai apodrecendo. Já deve ter mais de 20 anos que não se
faz um prédio no centro da cidade.
O senhor acha que, daqui a alguns anos, a
Praia do Canto venha se transformar no que o centro é hoje?
Pode sim, o povo vai procurar outro lugar. Isso
não está perto, mas já está acontecendo. Já tem gente saindo, e que não compra
mais ali. Querem fugir para outras regiões.
O senhor fugiria para outro
bairro?
É difícil...acho que ia comprar um zepelim e
ficar lá em cima. Ou um foguete desses americanos. Ficaria dando a volta por
cima e de vez em quando desceria.
O senhor não vê possibilidade de melhoria na
Praia do Canto?
Não é melhoria. Você vê o pedaço de comércio
estragar, esclerosar o bairro. Você tem remédios como no corpo humano, que
estancam aquilo ali. Tem que pensar: “vou defender esse pedaço que ainda tá
bom”. É não deixar isso correr solto.
Conter as construções?
Não digo as construções. Você pode ter as
construções, pode escolher, ou residencial, ou só comercial. Então, é uma opção
da população.
A Associação de Moradores tem um papel
importante para conter o crescimento urbano?
Claro que tem, apesar de no Brasil, nós não temos
forte esse princípio associativo, social. Você vê que uma das associações mais
resistentes contra o que eles querem é a de Jardim da Penha. Tenho um amigo que
mora na Suíça que me contou que um dia ele foi tomar banho às 11 horas da noite
e o vizinho tocou a campainha, dizendo que àquela hora não podia porque a água
que caía fazia barulho. Na Europa ou na América do Norte há uma defesa do modo
de vida, isso é um negócio longo, mas tem que começar.
O senhor acha que a Associação de
Moradores da Praia do Canto está começando a se integrar?
Ela tem tentado. Não tem conseguido, mas já andou
um pouco. Está numa velocidade de 29 porque o povo não está habituado a isso. O
sujeito está dentro de casa vendo novela e deixa de ver um negócio que é
importantíssimo para ele (uma reunião). Então continuam a crescer esses fatores
que vão tirando as condições de boa vida.
O que as autoridades competentes podem
fazer para conter o que o senhor chama de degradação da Praia do
Canto?
Aí é que tem um problema. Começa uma pressão de
vários lados, imobiliária, comercial. Uma pressão que o poder público não tem
força para segurar. Porque o que é o poder público? O que é a autoridade aleita?
É um sujeito em quem a maioria votou. E a maioria quer ganhar dinheiro e
pressiona. Por exemplo, na região da Enseada do Suá, pela própria origem do
projeto, não adianta fazer um edifício residencial que ninguém compra. A pressão
é feita assim.
Como aconteceu com o centro de
Vitória?
Isso, como aconteceu com o centro. Um belo dia o
valor imobiliário caiu tanto por causa da degradação, que apareceu o poder
público como a revitalização do centro.
Fonte: Jornal da Associação de Moradores
da Praia do Canto – 1998Fonte de Pesquisa: Casa da Memória
do ESCompilação: Walter de Aguiar Filho,
agosto/2011
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